Ê nave mãe
Custam os olhos da cara
Fica maracujá
Me chame quando ver passar
No céu as filhas em fila
No espaço sideral
Onde astronautas não vão
Só sonhos vão.

Paula

Tem uma transa de olhar morena
Tem qualquer coisa de doce
De visgo nessa massa
Que é a sua presença
Tem uma transa qualquer
De corpo de cama
Por que você só faz
Minha cabeça
Aquela coisa braba
Tarada que sabe o seu gosto
Que lambe o seu mel
Nas tardes macias
Um automóvel passeia

Julhão



O cantor, compositor, músico, poeta e artista plástico e fundador do Sindicato dos Músicos Profissionais da Bahia – SINDIMÚSICOS, Julio Ramos dos Santos, nasceu no dia 25 de março na cidade de Cachoeira, no recôncavo baiano, e veio morar em Juazeiro quando tinha 10 anos de idade. Nessa cidade começou a sua vida artística, com a arte plástica e a música. Estudou no Instituto de Música da Universidade Católica de Salvador - UCSAL e, a partir de então, começou a tocar nos barzinhos de Juazeiro e Salvador. Julhão, como é conhecido, tem músicas gravadas por diversos artistas brasileiros, e já foi vencedor de festival de canção e concurso em artes plásticas e foi um dos criadores do Grupo “êxodos”. Ficou afastado do mundo artístico por 20 anos, mas voltou quando deu início ao projeto “Meninos e meninas de todos nós”, que levava música, dança e macenaria aos meninos de rua de Petrolina-PE. Atualmente tem muitos projetos em construção, entre eles o lançamento do cd “Só eu”, no qual o músico e poeta canta somente com o violão.

Gildete Lino de Carvalho

Gildete Lino de Carvalho nasceu em 04 de março de 1941. Filha do poeta e jornalista Cid Carvalho, Gildete é psicanalista, poeta e especialista em cerâmica artística e pintura em azulejos. Costuma unir as duas linguagens artísticas, como é o caso da obra “Via Crucis”, na qual a autora faz um paralelo entre o Calvário de Jesus e a trajetória do nordestino. A obra é dividida em quatorze estações, todas ilustradas com pinturas em azulejo. Seus livros publicados são: “Via Crucis” (1987) e “O Gigante da Floresta Azul” (1981).

Gildete Lino de Carvalho


Iª ESTAÇÃO


“A morrer crucificado, Deus-Jesus é condenado!”

- Vozes do passado!

- Quem é mesmo o condenado?

O que nasceu sem pecado,

O que viveu perdoado,

apregoando a verdade,

ou o que crimes cometeu

desde a hora em que nasceu

e viveu crucificado?

Nu,

sem vestes limpas,

sem letras,

sem nada,

este homem, nordestino

abandonado menino

teve a sua sina traçada

de nascer

em terras incendiadas

pelo sol esturricante

onde a seiva é roubada

numa torrente constante de sóis .. e sóis,

na claridão do horizonte!

- Gigante precoce, frágil retirante!

Não é uma cruz que carrega

este estranho viandante

Ele próprio é a própria cruz

que um dia, o Cristo Jesus

carregou-a, não sei por onde,

onde a história só responde:

A caminho do calvário

Deus Jesus é condenado!

Sentindo vário, que a história projeta,

Para um infinito, distante!

É o nordestino, aqui, franzino.

Nasce sem ser julgado.

Já nasceu crucificado!

IIª ESTAÇÃO

“A morrer crucificado, Deus-Jesus é condenado!.”

- A mando de um tribunal

sai Jesus a caminho do calvário.

Os joelhos todos dobraram

nos anos que se seguiam,

tamanha a ignomínia!

E a brisa que alisa os campos

e corre que nem menina,

testemunhas essa dor

saiu aos ouvidos dos séculos

segregando tal horror!

E o nordestino,

Adulto, menino,

Velho logo se tornou.

Troca o sertão

que é seu chão,

a caminho de outra cor

qual ave de arribação?

Olha em volta

à sua direita

para a frente

para o alto

sente chamas que lhe queimam

os pés,

os olhos,

a esperança.

Mas, se espelhando na noite

extensa, infinita de luz

disputa com a prole de estrelas,

a escuridão lhe seduz.

E, ao entregar à noite escura

seu cansaço, o seu amor

este homem tão franzino,

sem o saber,

prolifera a própria dor.

E o nordeste é povoado

muita cruz, crucificados!


IIIª ESTAÇÃO


Sob o peso da cruz

cai Jesus,

martirizado

aos açoites do pecado!

As noites testemunharam

chorando com a luz das estrelas

o canto que se fez sagrado:

“a morrer crucificado

Deus Jesus é condenado!”

E o retirante

sem teto

e sem leito

a fome cravada no peito

cai, sem ser mesmo sujeito

da razão do próprio ser!

Pede esmola!

Pede pão!

Já não sabe porque sim

Já não pode dizer não!


IVª ESTAÇÃO


O homem que força coném,

à força

faz de Cristo o condenado.

obriga-o a levar no ombro a cruz

a carregar o peso do pecado.

Eis então

na própria história

outra força

que enxuga o pranto

que recebe a cruz

e envolve-a no próprio manto

- a mãe do Cristo Jesus, Maria!

E o nordestino

pela estrada prosseguindo

dizendo-se forte

à sombra do seu andar incerto

muito perto,

a força da companheira

multiplicada a seus pés.


Vª ESTAÇÃO


Há um caminho percorrido

de grande desolação.

O Cristo é um “eu” combalido

Mas, que não foi esquecido

Pelo homem Cirineu.

E assim, é aliviado

Por momentos, neste percurso sangrento.

O retirante

com a mulher

e os meninos

faz pesar menos

o seu destino

de ser cruz

e a própria dor.


VIª ESTAÇÃO


A caminho do Calvário

não por uma razão qualquer

o filho do Criador

tem um encontro com uma mulher.

Verônica enxuga o seu rosto,

ensanguentado de dor

e eis que a história confirma

na brancura do tecido

e efígie do Salvador.

O nordestino sofrido

enrugado, envelhecido

deixa impressa

a sua queixa,

nos sulcos que se abriram

na terra seca rachada,

incendiada de dor.

Quem olha para os gravetos,

labareda esfuziante

em tronco seco

sem cor

sem o querer

a imagem que se repete

não mãos

no rosto

na planta dos próprios pés.

Quem com quem se encontra?

O chão com o retirante

a quem lhe negou água e pão?

O nordestino

misto de velho e menino

com o chão, e dele fugindo

a vislumbrar mais além?!

VIIª ESTAÇÃO

Quantas quedas

já a segunda

na vida do Redentor!

O homem que se retira

P’ra vencer a própria lida

cada passo, um filho a mais

cada filho mais perdido

na morte

que a sorte traçou.

Cai por terra o nordestino,

fundo,

e a dor

do tamanho do mundo!


VIIIª ESTAÇÃO


- Não chorem, não!

diz o Cristo,

no encontro com as mulheres,

que a ele vão consolar.

- Muito forte é a minha dor,

por ser o pecador

quem me vai crucificar.

Só o pecado, é motivo p’ra chorar.

Sonhador e nordestino

vai menino, o retirante,

pelo sonho a navegar!

Cantando a dor e o cantar,

num instante,

o seu destino

vira arte, vira hino,

com o amor grande das mulheres,

com as bravuras dos meninos,

asas soltas pelo ar!

E assim, a dor que se expande

vai virando outro chorar:


IXª ESTAÇÃO


Tamanha é a exaustão do Cristo

que segue trôpego!

Que difícil caminhar!

Pela vez terceira, cai.

Ai!...

Já não anda o retirante,

nem braços p’ra se apoiar.

O corpo já flagelado

de buscar

não encontrar.

Menos vida, mais morrer,

é assim seu caminhar!

Xª ESTAÇÃO

Desnudo, Cristo Jesus

vai vivendo o seu flagelo

que o mal

malbaratado

qual furacão endoidecido

ferindo toda nação

quer vê-lo

mudo – vencido!

E o retirante,

nu, desde o leito,

com o sentimento no peito,

sem saber que é cidadão.

Tiram-lhe bem cedo,

as vestes do entendimento,

do cosmos que é seu também

e os ilustres da instrução,

para sempre dizer sim,

para nunca dizer não!


XIª ESTAÇÃO


Quem mais só

que o Redentor!

Feridas nas mãos

e no peito.

A cruz, agora, é o leito,

onde se deixou pregar Jesus!

É aqui,

onde a história

se estreita –

a morte do inocente

e a do outro, o penitente,

que nem braços

já os tem!

Reféns de uma mesma história,

em longa trajetória!

Morre aqui, o próprio bem.

E o mal, quem o contém?

- Um, o espectro do outro,

na morte que o outro tem,

na vida que vai além!


XIIª ESTAÇÃO


Cristo já crucificado

aos tempos foi logo erguido,

no mais alto dos montes!

E choraram as fontes.

E os campos arroxearam

suas flores,

por tantas dores,

que numa só transformou.

Maior que o próprio mundo.

Mais dentro

que o poço mais fundo.

E Deus, que a natureza dotou

gritou tão alto e tão duro

que a terra tremeu no escuro.

O Criador escreveu

lá no alto, lá nos céus

em ouro e puro fogo,

escrita do próprio punho,

o seu sentimento profundo,

a sua dor

e o seu desejo de salvar o mundo

que ele próprio criou!

Desde menino,

vem morrendo, o retirante nordestino.

Longo desterro, o seu!

A terra a tremer sob os pés!

Pela primeira vez embalado,

desde que deixou o torrão amado!

É o seu magro enterro!

Em silêncio,

passa à sepultura,

depois de haver sonhado

com o prado verde,

a relva fresca,

o sol em tom desmaiado,

a chuva a beijar os galhos secos

e a explosão de vida

a colorir a estrada,

a encher de amor a própria lida!

E o silêncio se faz!

Aqui o nordestino jaz.


XIIIª ESTAÇÃO


Jesus Cristo é retirado

de onde foi crucificado

Aqui jaz o retirante,

onde a “vida era pouca”

e a morte louca!

Já é outro retirante

como o primeiro, enganado

por quem nesta terra é senhor.

E vai repetindo, o passado,

sendo cruz,

crucificado,

como foi o Redentor!


XIVª ESTAÇÃO


Cristo é chorado

por sua mãe

seus amigos

E a morte,

que a acendeu a dor

no silêncio que o morto traz,

jaz,

Entre lágrimas,

entre ais,

a palavra

lavra a vida,

lavra o amor

e muito mais!...

E o morto,

- retirante e o Redentor –

vai se sendo ressuscitado

aos olhos do sofredor!

No silêncio, que é profundo,

meditam os séculos,

na escuridão do mundo!