DO LIVRO "CANTIGAS DA BEIRA DO RIO"

AS TRÊS PROFESSORAS


Minha primeira professora foi como a primeira namorada.

Minha segunda professora parecia uma santa.

Minha terceira professora era a mais bonita das três.

(A primeira professora a gente nunca esquece,

A segunda professora morreu muito nova

E a terceira professora foi a que eu mais amei...)


A primeira professora foi quem me ensinou

Que o nosso rio, o São Francisco, nasce

Na serra da Canastra em Minas Gerais.

A segunda professora não teve tempo

De me ensinar muita coisa.

Mas a terceira professora, essa me despertou

O amor das coisas da minha terra e da minha gente:

O novenário da padroeira,

Os penitentes,

A mãe d`água,

O negro d`água,

A serpente que Nossa Senhora

Amarrou com os seus cabelos

Debaixo das pedras da Ilha do Fogo...


A gente aprendia mais não dava muita importância

Por que pensava que todas as coisas eram eternas.

Mas as águas do São Francisco,

As lavadeiras do São Francisco,

Os vapores do Velho Chico,

Como essas coisas passaram depressa...


BALADA DO RELÓGIO DA ESTAÇÃO


Tique-taque... Tique-taque...

O relógio da estação trabalhando

E a gente na plataforma esperando

O amor que viajava no trem.

Muitos se cansavam de esperar


... Tique-taque...

Dizem que o relógio da estação era incansável,

Trabalhava e trabalhava sem parar,

Contando as horas, os minutos e os segundos,

Para que trem não demorasse de chegar

E ninguém se cansasse de esperar.


Tique-taque... Tique-taque...

Quando a velha estação foi demolida,

Construiram uma ponte em seu lugar,

Para onde levaram o relógio da estação?

Agora, sem o relógio da estação,

A gente pode morrer de esperar

Que o trem nunca mais vai chegar.


Tique-taque... Tique-taque...

Relógio da estação, da velha estação,

Por que você parou de trabalhar?

A gente estava esperando um amor

Mas o trem nunca mais vai chegar...


CONVERSA COM O RIO


Velho Chico das águas barrentas,

Quem clareou suas águas?

Suas águas não eram claras assim,

Você era muito mais bonito

Com suas águas barrentas...


Você não é mais o mesmo,

Você mudou, Velho Chico,

Onde estão os seus vapores de lenha,

O Benjamim, o Venceslau, o Barão,

Onde estão os seus vapores, velho Chico?

Aqueles vapores da Companhia

Que navegavam de Juazeiro a Pirapora,

Onde estão aqueles vapores, Velho Chico?


Velho Chico, estou me lembrando agora

De Zezinho, ajudante de pedreiro,

Você se lembra de Zezinho, Velho Chico?


Zezinho era um retirante,

Ele ia embarcar no Barão

Com destino a Pirapora

Pra depois ir pra São Paulo,

Mas ele nunca embarcou,

Sabe por quê, Velho Chico?

Porque foi assassinado

Na véspera da partida...


E todo mundo cantou:

O vapor tá apitando,

O Barão vai arribar,

Vamo s`imbora, Zezinho,

Parece que quer ficar...


NAS ÁGUAS DO VELHO CHICO


Nas águas do Velho Chico,

Um paquete a deslizar,

João Pescador vai pro rio,

João Pescador vai pescar...


Pescador, toma cuidado

Que é noite de assombração,

Cuidado com o Negro d`água

Que ele vira o teu paquete

Pra soltar todos os peixes,

Toma cuidado, João!


Mas João Pescador, valente,

Não respeita assombração:


- Vou pro rio, vou pescar,

Vou trazer é peixe bom

Ou não me chamo João...


João Pescador foi pescar,

Não respeita o Negro d`água,

Nem respeita assombração.


E o Negro d`água chegou:

De repente, faiscaram

Uns olhinhos de tição,

O Negrinho virou o barco,

Soltou os peixes tudinho

E sumiu na escuridão...


Pescador, não te avisei?

Cuidado com o Negro d`água,

Toma cuidado, João!...


TROVAS


Pescador do Velho Chico

No sertão longe do mar,

Pescador do Velho Chico,

Que buscas a navegar?


Se o mar não virou sertão

E o sertão não virou mar,

Se voltas com as mãos vazias

Pois não consegues pescar,

Pescador do Velho Chico,

Que buscas a navegar?


Pescador do Velho Chico,

Eu fico tão pesaroso

Quando te vejo voltar

No teu paquete cinzento,

Com as velas rotas ao vento,

Com a rede a se desmanchar,


Parece que nessas águas,

Pescador do velho Chico,

Não há mais peixe a pescar...


FONTE: Livro "Cantigas da Beira do Rio". Autor: Lúcio Emanuel