Do Livro "Tecendo Lã junto à fogueira"

PATÉTICO

Minha

pior farsa

é quando

sorrio!


ECCE HOMO


E te vejo vagando

por entre a relva

com um cavalo cego

necessitando comer o belo

para obter a visão.

Triste busca,

cruel pastagem,

amorfa paisagem

onde a oferta

não se faz ver!


RAPSÓDIA DAS CORES


Branca: a paz que não conheço.

Azul: o sonho que não sonhei.

Vermelha: a paixão traída.

Cinza: a solidão, inseparável amiga.

Rosa: a infância que passou

como um sorvete exposto ao sol.

Amarela: a pele madura dos oitis

que foram com a minha infância...

Verde: a juventude perdida.

Sou triste, não nego.

Mas como dói, dizer isto!


DEFECTIVO


Sofre mais quem sabe mais.

Quem não quer nada, nem o que

lhe é de direito.

Somos animais com defeito de fabricação,

bichos de estimação

esquecidos na solidão do quarto de Deus!

Somo todos, equívocos!

Boçais, cheios de razões de nada,

Filosofias fúteis e bucetas agradáveis.


A FORMIGA E O POETA


Uma formiga

desliza na folha de papel

em branco,

onde tento um poema tântrico.

Rapidamente

Inspeciona cada área desse deserto

onde o verso não se faz ver!

Talvez buscando

uma folhinha de rima verde

para em transe,

sonhar no formigueiro

com outra maneira de viver.

Talvez num mundo

sem tamanduás.


QUANDO SE OLHA


Minha casa

é feita de vento,

vivo fora do tempo

e gosto de estar

assim...

Minha cara

é luz que se cria

no exato momento

em que está sendo olhada!

E eu não sou

o que se quer ver

quando se olha!

INCRÉDULO


Não acredito

nos que se dizem felizes,

e, para tanto, pintam um doce riso

na boca amarga de mentiras!

Não acredito

na fome dos que, obesos de ócio,

recheados de nada,

ocultam o porco que sonolento

ronca, num leito de pérolas e lama!

Eles não me enganam.

Não acredito

nos que dizem que amam e jamais abandonam!

São traiçoeiros animais que rondam

e matam sua presa, sua prima-dona,

no silêncio de um luar que sonha!

Acredito nos anônimos

vindos de nenhum lugar

e seguindo não se sabe pra onde!

Acredito nos que dançam no ar,

e, como rosas, crescem nos abismos...

Fazem canções e poemas,

pintam a maravilha extrema

e não nos pedem nada

em troca de tudo isto!


BOA VIAGEM


Viver o nada é insuportável!

Ser livre é o prazer. E, independentemente

da sua dor de dente,

a evolução varrerá nossas caras,

corações e mentes.

Tudo será como quiser ser,

sem ser interessante!

E, por favor, que não se viva

o instante presente à mira de um passado

doente ou de um futuro óbvio, doce e

deselegante.

Criar é viver.

Estar no mundo não requer equilíbrio,

mas um metafísico desequilíbrio

para vôos psicoabismais!

Salve seu sonho! Enlouqueça! Não se prive!

O mundo se salva pela arte,

jamais pela política!

Proponha férias para seu ego

e convide seu id para dias felizes!

Mas por favor, não sirva chá à rotina.

O óbvio há de bater à porta como se fosse

o mais novo. Mas só na arte é que se ama.

Livre, absoluto, existindo acima do céu

e da alma!

Viver o nada é insuportável!

Felicidade é criar. Salve-me pela Arte

e boa viagem!


LEITMOTIV


E diga ao mundo

que eu comi do pão da desgraça

e bebi do vinho da loucura.

Que meus versos

saem ao impulso do catarro

e que trago na minh’alma

um faminto e incomensurável

inferno!


TODAS AS MULHERES DO MUNDO


Todas as mulheres do mundo,

todas elas.

Brincam no meu coração,

fazem amor e ilusão,

dormem comigo e me esquecem

Deusas e feras...

Gueixas de minha vida:

queixas da outra querida, ela!

Todas as mulheres do mundo,

todas elas.

Andam nuas na minha poesia,

maravilhosamente belas!

São louras impressionistas,

morenas cubistas,

Marias e Madalenas....

Mil e uma noites

eu transo com elas.

Em campos de pêlos e relvas

somos paixão e carícias...

E tonto de sedução,

sem perder um só segundo,

me entrego à delícia de amar

todas as mulheres do mundo!


DOR DE VIDRO


Justo hoje que compus um verso.

Justo hoje que estou de bem comigo,

me vem uma dor de vidro

a romper no fígado,

uma angústia, uma flor de jazigo,

amarela e lilás!

Justo hoje que a noite faz frio

e eu aqui no meu rio

entre o abandono e a cachaça,

tento esquecer do trágico

e esboço um riso...

Eu, absoluto dono de minha desgraça!

Baudelaire bate à porta

e, numa figura torta

em dor de convulsão,

minha alma sórdida

contorcendo-se em alucinação

expõe cortes e ais...

E louca, num impulso derradeiro,

foge, fecha a porta e abre o gás!


FONTE: Livro "Tecendo Lã Junto à Fogueira". Autor: Expedito Almeida.