Luís Galvão

BRASIL

Qualquer parte

De chão, de coisa

E sensibilidade igual.

Eu, você, o pária

O retrato e sempre o mesmo,

Mudam apenas as posições.

Sempre há uma criança comendo chocolate,

Para que lá embaixo da ponte,

Outra sonhe de fome um pedaço de pão.

Há sempre um casaco de pele

Para vestir o frio desejo

Da mulher sem frio;

E mulheres nem se vestem

Para passar o frio da noite dos pobres.

A imaginação menina

De menino pobre

Bolou um brinquedo de lata

Enquanto imaginação importada

Dava corda e um cachorrinho andava;

(tudo nesse país é importado).

Hoje:

Deram a um cadilaque

- permanece o menino

De idéias alheias;

O outro acumula corda

Pra um dia fazer este país andar.

Mãos sempre ocupadas

Mantendo uma diferença.

Se todas as mãos nasceram nuas

Por que sempre está uma

a dar esmola a outra?

Eu olho minhas mãos

E não sei se elas

Pedem ou dão esmolas.

- Eu as vejo bem tristes

Como se fosse a minha Pátria.


A NOITE

As casa de pé

Não dormem, cochilam.

A rua deitada

Dorme nas calçadas.

As árvores crianças de ontem

Namoram de olho.

Há um silêncio de sombras conversando

O vento que canta...

O guarda noturno

Não dorme, mas seus pensamentos

Estão dormindo há muito tempo.

Assiste a noite gota por gota

E apita procurando acordar o dia.

O galo toca recolher

E as estrelas militarmente

Vão dormir.

E com um sonho bárbaro vem o dia.


EU

Sou dois, três

Quem sabe quantos sou?

A mim só dois importam:

O eu que vê poesia nas coisas

Que é livre e a ninguém pertence,

E o outro que só vê e ama uma poesia

Que é você.

Um eu que me pertence

Vive sempre preso ao ninho

Às vezes o ninho fica vazio

O pássaro foi plantar uma árvore

Talvez para você.

Os outros morrerão comigo

Os dois hão de ficar:

Um em você,

E o outro, nas coisas que passaram de coisa

A poesia.

Você ficará em mim

Por ser a única coisa

Que pertence aos dois.