BRASIL
Qualquer parte
De chão, de coisa
E sensibilidade igual.
Eu, você, o pária
O retrato e sempre o mesmo,
Mudam apenas as posições.
Sempre há uma criança comendo chocolate,
Para que lá embaixo da ponte,
Outra sonhe de fome um pedaço de pão.
Há sempre um casaco de pele
Para vestir o frio desejo
Da mulher sem frio;
E mulheres nem se vestem
Para passar o frio da noite dos pobres.
A imaginação menina
De menino pobre
Bolou um brinquedo de lata
Enquanto imaginação importada
Dava corda e um cachorrinho andava;
(tudo nesse país é importado).
Hoje:
Deram a um cadilaque
- permanece o menino
De idéias alheias;
O outro acumula corda
Pra um dia fazer este país andar.
Mãos sempre ocupadas
Mantendo uma diferença.
Se todas as mãos nasceram nuas
Por que sempre está uma
a dar esmola a outra?
Eu olho minhas mãos
E não sei se elas
Pedem ou dão esmolas.
- Eu as vejo bem tristes
Como se fosse a minha Pátria.
A NOITE
As casa de pé
Não dormem, cochilam.
A rua deitada
Dorme nas calçadas.
As árvores crianças de ontem
Namoram de olho.
Há um silêncio de sombras conversando
O vento que canta...
O guarda noturno
Não dorme, mas seus pensamentos
Estão dormindo há muito tempo.
Assiste a noite gota por gota
E apita procurando acordar o dia.
O galo toca recolher
E as estrelas militarmente
Vão dormir.
E com um sonho bárbaro vem o dia.
EU
Sou dois, três
Quem sabe quantos sou?
A mim só dois importam:
O eu que vê poesia nas coisas
Que é livre e a ninguém pertence,
E o outro que só vê e ama uma poesia
Que é você.
Um eu que me pertence
Vive sempre preso ao ninho
Às vezes o ninho fica vazio
O pássaro foi plantar uma árvore
Talvez para você.
Os outros morrerão comigo
Os dois hão de ficar:
Um em você,
E o outro, nas coisas que passaram de coisa
A poesia.
Você ficará em mim
Por ser a única coisa
Que pertence aos dois.