BABÁ

Carta escrita do Rio de Janeiro, para meu pai, morador no sertão da Bahia (Curaçá).

Cabra veio, vou te dizer

Isto aqui num é mole não

A tal de cidade grande

Desgraça qualquer cristão

Inda mais se ele vem

Aí das bandas do sertão.

A madrugada aqui chega

Sem estrela Dalva no céu

É um nevoeiro cinzento

Nos cobrindo como véu

E o povo andando nas rua

Como morcego ao léu.

Num tem cantar de galo

Nem o mugido dum touro

Tem é sirene gemendo

Um canto de mau agouro

Triste como berrar de ovelha

Andando pro matadouro.

Daí vem um corre-corre

Todo mundo bem ligeiro

Parece um magote de bode

Correndo para o aceiro

Na hora que a gente abre

As porteira do chiqueiro.

Pra atravessar uma rua

É de se pedir arrego

Os carros atacam a gente

Da gente ficar com medo

Parece que são carcará

E que a gente é burrego.

Se mora em apartamento

Com o espaço contadinho

Se vive solto e preso

Nesses pedaços mesquinho

Que não passam de gaiola

E a gente de passarinho.

Inda tem muitos perigo

Nesta torre de babel

Assaltante e polícia

São umas cobra cruel

Mil vezes se enfrentar

Jararaca e cascavel.

Hôme, tem tanta desgraça

Que num vou falar mais não

Basta dizer que eu prefiro

A dureza do sertão

Com a terra esturricada

Completando já treis anos

Sem um pingo d`água no chão.

Eu prefir a macambira

As braúna, os marmeleiro

As arueira os angico

Craibeira e espinheiro

Faveleira e umburana

Das de cambão ou de cheiro.

Acordar com a passarada

Pular da rede ligeiro

Correr os olhos no mundo

Mijar no fim do terreiro

Ouvindo o bater das asas

Do galo no seu puleiro.

Escutar vindo de longe

Os gritos de uma sariema

O eco forte e grave

Do gemido de uma ema

Com o dia chegando apressado

A noite saindo serena.

Ver o sol se apresentar

Mudar a cena num lampejo

Começar aquela briga

Que estando aí eu vejo

Disputando quem é mais forte

Se é ele ou o sertanejo.

Labutar o dia inteiro

Sem descanso um só instante

Dar de comer pro gado

Água pros bichos na fonte

Só sentar no fim do dia

Com o sol no fim do horizonte.

Sentar num pau de porteira

Ouvir a mãe da lua cantar

Lavar os pés numa gamela

Armar uma rede e deitar

Acordar com a estrela d´alva

Pra lida recomeçar.

Como volta a asa branca

Vou voltar também praí

Pois meu lugar tenho certeza

É no sertão que nasci

Vivendo das esperança

De ver a chuva cair.

Se eu num quero fortuna

Conforto nem muito dinheiro

Num quero ser gente grande

Quero ser é catingueiro

Que diabo eu to fazendo

Neste Rio de Janeiro?

Babá

Novembro de 1977.